Ewan McGregor (Dr. Sono) está na pele de um jovem escocês viciado em heroína. O filme se desdobra em 1996, época em que a cena grunge pipocava na cultura ocidental e a epidemia de drogas injetáveis co-protagonizava com o disparo de infecções por aids.
Além de Ewan, existem outros no grupo de convívio do garoto que atravessavam as próprias questões a par da heroína.
Aliás, com certa sensibilidade podemos perceber que todos e cada um neste filme têm as próprias questões a par do vício de heroína, indo contra a centralidade da problemática no senso comum.
Maternidade, explosividade interpessoal, términos de relacionamento, desemprego, conflitos com a lei e a ordem, sexualidade, pobreza.
Todos esses desafios durante o estágio do desenvolvimento adulto eram e são adiados pela entorpecência, boicotando não só a firmação dos compromissos, como o tempo e os limites navegáveis de uma juventude promissora.
Estar fora de si é estar fora dos próprios problemas e estar fora dos problemas dos outros. É simplesmente se abster de participar da órbita que nos liga aos sentidos e às sensações de ser composto por deveres e direitos consigo e os demais.
O filme pode soar duro porque não nos promete o ápice de cura do vício, ou uma reabilitação suficientemente simples que transcenda a droga.
Por mais que tenhamos exemplos de continência no filme, como Ewan após a abstinência forçada, ou Tommy, antes de uma desilusão amorosa, ninguém está completamente imune aos vícios, às provas humanas e às misérias da dor.
Enfrentar essas quedas pode extrapolar nosso limite de forças e nessa hora podemos nos amigar com os vícios.
Apesar de o filme sobressair os holofotes sobre a heroína, também abordou outros vícios, ou, em outras palavras, impulsos em direção aos desejos imediatos.
Begbie, por exemplo, representa os vícios de conduta. Apesar de não se envolver com drogas, é desmedidamente violento. Atua de modo impensado, automático, mecânico, adquirido e praticado por reflexo.
A drogadição é como um auto abuso, enquanto os vícios de comportamento abusam do alheio, dos relacionamentos e das trocas sociais desgastadas pela exaltação do proceder próprio.
Primeiro os vícios dominam as liberdades individuais, depois invadem as dos círculos sociais para que não sejam desafiadas no seu conforto. Acomodam-se os programas viciantes e viciados às pessoas que os toleram, independemente da natureza per si das pessoas.
Os vícios podem não ser iguais, mas os processos que levam à adesão, manutenção e aceitação dos mesmos estão ligados por contratos de estabilização dos próprios vícios.
Uma vez eu li em algum lugar que onde não hajam mundos aceitos irromper-se-ão submundos inteiros. E o que seriam as subculturas senão uma estabilização organizada de afinidades contraditadas pela cultura?
De certa maneira buscamos adequação nos ambientes que nos permitam socializar os vícios.
Atraímos afinidades não só por uma questão de ser aceito pelo outro, mas porque ao vermos um outro parecido conosco conseguimos nos acolher e humanizar o vício em si e nos aceitar com ele.
É na diferença de mãos que entendemos as identificações psíquicas mais profundas. Podemos ter outra estrutura de personalidade, criação familiar, vontade e realidade financeira e, ainda assim, nos identificar visceralmente quando tratamos dos vícios, seja qual for.
Dentro da destrutividade do tema, a ideia de abstinência sempre nos acomete como o golpe final de uma violência brutal, que destrói a prática das coisas viciadas como um mal que traz prejuízo e perda.
De fato pode se tornar uma violência se a abstinência for na verdade repressão ou outro mecanismo de defesa do ego, sem acompanhar mudanças nos fundamentos psíquicos do caráter ou do comportamento.
E você? Como pensa sobre isso?

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