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Sereias

Atualizado: 7 de jul.

Quem nunca ouviu na escola a história de sereias que encantoavam lindas canções para atrair aos marinheiros desavisados, cansados do mar, já no limiar do dia, sem saberem ao certo o que é real, o que não é.


É bem essa a sensação quando assistimos "Sereias", a nova minissérie da Netflix com a fantástica Juliane Moore.


Tudo começa com uma jovem em crise, que precisando de ajuda para cuidar do pai com demência, vai buscar a irmã no emprego dela. No entanto, esse emprego não tem nada de convencional.


A irmã é nada mais, nada menos, que a assistente pessoal da esposa de um magnata. Todos moram numa exuberante ilha particular, onde funciona um santuário de aves de rapina resgatadas.


A irmã da ilha é totalmente absorvida pelo clima anuviado de veraneio entre ricos e felizes, como se nada pudesse perturbar a excentricidade daquele lugar. Já a outra, vindo da cidade diretamente para partilhar um drama familiar, não faz ideia do que vai encontrar.


Nesse novo ambiente, ela causa incômodo, quebrando a forma de relacionar das pessoas com o meio. É como se a gente pudesse constelar as irmãs boazinha e malvada, num poderoso arco de narrativa que está desesperado por encontrar na unificação, o meio-termo de uma identidade comum.


Mais ou menos o que ocorre dentro do nosso sistema de personalidade. Somos provocados, o tempo todo, a reunir o melhor e o pior de nós como parte de um resultado que se pretende harmônico, numa batalha de dominação dos opostos.


O que chama atenção em Sereias, na verdade, nem tanto é esse processo de profunda reconciliação. O que quero dizer é que enquanto as 'lições' de uma história são contadas e percebidas por etapas, aqui nos parece que elas só são reveladas no ato final, quase como se o processo pouco importasse, dando lugar a uma decisão.


E, ao contrário de tudo o que insinuamos, de que o sucesso da vida, ou o medo dela, depende de uma série de pequenas causas, o final surge como o grande ato, uma escolha, um evento, a partir do qual emergirá uma série de outras pequenas causas, imprevistas, e dali perpetuáveis em uma nova métrica de escalas.


Eu diria que "Sereias" é um ótimo estudo de caso analítico, porque mesmo que exista um complexo de emaranhados emocionais e psicossociais em evidência, é de uma simplicidade brutalmente humana perceber como as escolhas das pessoas são conduzidas, e a fragilidade dessa condução.


É quase como se a própria motivação secreta, de cada um, fosse secreta até a si mesmo, mas, algo, em algum momento da vida, fosse suficientemente sedutor e invencível ao eu, encantoando, e cantarolando, um destino mais ou menos dentro daquela unificação inicial que comentamos, ainda que a gente tente se separar ou fugir daquele princípio contraditório, mas inerente.


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