Ganhador de 7 oscars, o filme “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” precisa ser visto com bastante atenção para não nos perdermos.
Basicamente, conta a história de uma imigrante chinesa, mãe de família e vida simples, que imersa em um episódio de stress, é propulsionada à saga de acessar vidas simultâneas, passadas e futuras, dentro da própria consciência.
Junto à dela, existem outras consciências interagindo por padrão. O marido é um exemplo. Claro que eu resumi e cortei bastante, mas tive que fazer isso para simplificar uma, ou duas questões: primeiro, conseguimos acessar outras vidas, lucidamente? Segundo, qual seria a vantagem disso?
Imagine que cada consciência seja composta por um núcleo, ao redor do qual existem milhares de ramificações criadas, a partir das escolhas que tomamos no presente. Se somos alguém hoje, é porque tomamos decisões antigas que nos trouxeram até aqui, e assim adiante.
Fazendo um link com a análise do último filme “Seven kings must die”, em que tratamos de realidade objetiva e predestinação, em “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” tratamos de realidade subjetiva e acesso multiconsciencial.
Aparentemente um na contramão do outro, podemos buscar similaridades entre ambos pelo “núcleo da consciência”, aquilo que citei estar em “tudo em todo lugar ao mesmo tempo”.
O núcleo, de onde parte “as configurações básicas” de cada consciência, ou o início de uma parcela da experiência individual é a profecia, tendência ou destino de “seven kings must die”.
Por mais que a realidade possa mudar drasticamente, por uma simples questão do melhor uso do nosso planejamento, talentos e habilidades, as pessoas com quem você precisa lidar e as dificuldades que chegam estão fora de um controle racionalizado pelo arbítrio. Essa parte, esse núcleo de inícios e meios inoperados pela vontade, pertence ao destino.
O que fazemos disso depois são ramificações arbitrárias de tudo o que podíamos ser para o que de fato nos tornamos.
Às vezes aprendemos algo com tanta facilidade que parece que já fazíamos antes, e talvez fizéssemos, se pressupormos que a nossa consciência é maior que o ego, enquanto experiência temporária da personalidade.
O ego é parte do eu, até agora com limitações materiais/temporais de uma mente física. Pelo filme, não haveria limitação espaço-tempo biológica, mas um fundamento metafísico de vidas alternadas que explora chaves de ativação específicas.
Na psicanálise, a consciência é a parte da psique humana responsável por perceber a realidade externa.
Essa realidade é chocada por outras no enredo do filme. Quando estudamos o mecanismo de repressão de Freud aprendemos que repressão é a tentativa de transformar algo no seu oposto.
Reprimir o estado de consciência é transformar a percepção da realidade em algo contrário à percepção objetiva.
Nos pondo diante das percepções externas geradoras de instintos indesejáveis, atuamos no oposto desse desejo. Aqui existe sempre um conflito entre fazer e desejar. Por isso na repressão não atuamos com autonomia, mas contra ela, contra o proibido, o impossível.
O principal resultado desse processo, quando não integrado, é o sintoma. No filme, quando a personagem põe para fora seus instintos mais secretos, de violência e agressividade, por exemplo, existe um ganho de poder, não pela violência em si, mas pela emancipação da repressão.
Entrando na questão econômica, em que pesamos as vantagens do acesso lúcido às outras vidas, apesar de bastante perturbada pela instabilidade e redução do ego, a personagem podia manifestar habilidades anteriores que possam ajudá-la na situação presente.
Quanto mais fácil e rápido ativava outras linhas espaço-tempo, mais poderosa se tornava, porque sua consciência expandia.
Essa expansão se dá com ativações curiosas de excentricidade ou dor, por exemplo com cortes de papel entre os dedos, ou se urinar no elevador. Quem nunca ouviu uma história sobre alguém revolucionar a própria vida depois de um trauma ou choque?
Em mais um link com outra análise que fizemos (prometo ser o último!), em o “gato de botas 2” tivemos a oportunidade de falar sobre fases do desenvolvimento pessoal na integração do ego, durante o envelhecimento do indivíduo.
Aqui, em “tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, temos a mesma lógica, mas multiplanificada, em que etapas individuais (vidas diferentes) são integradas na unidade cósmica do ser e não etapas da mesma vida, como em “Gato de botas 2”.
Somos amplificados e reduzidos, ao mesmo tempo.
Amplificados porque nos entendemos mais capazes do que pensamos, por já termos passado por coisas das quais não nos lembramos ou registramos na mente.
Reduzidos porque a experiência atual é diminuída para algo infinitamente menor do que parece, muito menor do que a nossa percepção externa mais sagaz e analítica possa supor, porque nosso ego é esmagado pela grandeza da consciência universal.
Nosso ego, ou personalidade, é uma fase de algo historicamente pequeno e fragmentado.
Mudando nossa percepção externa, que é a ponte principal para a qual se dirige a nossa consciência, a consciência, em si mesma, deixa de ser igual.
Assim é possível analisar, sob outro ponto de vista, as limitações da mente e o quanto nosso superego, id e ego são condicionados pelos efeitos da experiência temporal.
Nessa linha, superego, id e ego são situações e não a totalidade da mente consciente/inconsciente. Estariam apenas sincronizados com a qualidade do ambiente, podendo ser expandidos pelas lembranças de outras experiências, que nos qualificam de outras formas, úteis ao crescimento momentâneo.
Isso tudo faz sentido para você? Conte para nós.

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