Por séculos os grandes reis, líderes e conselheiros de reinos utilizaram-se de profecias e vidências para conquistar terras, tomar decisões, fazer e desfazer alianças.
O filme “The last Kingdom: seven kings must die”, em tradução literal: “O último reino: sete reis devem morrer” é sobre a profecia da era medieval que sagrou a união entre vários reinos para o que conhecemos por Inglaterra.
O filme tem por palco a batalha de Brunanburh, entre o rei cristão Athelstan e outros reis e reinos, incluído o pagão (viking) que estaria prestes a tomar o poder dos ingleses.
A profecia lançada a Uthred (protetor do reino da Nortúmbia), ainda no início do fime, é de que “sete reis devem morrer e a mulher que você ama” para que ocorra a união dos reinos. No entanto, sem ser rei ou marido, recebeu a mensagem e a ignorou.
Ao longo do filme vemos que a profecia predizia um destino, mas que não dizia a quem. Afinal, não era mesmo a Uthred, mas por estar enormemente envolvido nas batalhas, ele poderia interferir no sentido do que se destinava a acontecer.
Soube-se depois que a profecia era para Athelstan, que inclusive foi aconselhado por Uthred a não se casar, já que a esposa teria um destino fatal segundo falado pela profecia.
Mas o que trazemos hoje, realmente, não é exatamente a discussão se profecia e predestinação existem ou não, mas a forma como esses elementos são interpretados hoje.
Ainda temos vários exemplos de leitura de futuro e vidência hoje em dia, inclusive em profissões de mercado, como tarólogos, alguns astrólogos, terapeutas holísticos, etc.
No entanto, em épocas remotas, vemos que existia um fatalismo lancinante, cuja sina era não só coletiva como politizante. As profecias, recheadas de literalidade e predestinação marcavam enormes eventos. Foi assim também com Joana D’arc na emancipação francesa, quem dizia receber recados de São Miguel Arcanjo para liderar o fronte de luta.
Orientações, Instrumentadas ou não por terceiros com ligação ao divino (videntes, curandeiros, psíquicos), tinham força de lei e decretação.
Hoje em dia, após muitas conquistas materiais e de civilização, nos tornamos menos e menos predispostos à ligação divina impositiva, até porque com a separação do Estado e da igreja na maior parte do mundo ocidental, a ligação com o divino no espaço público foi perdendo a significância absolutista.
Naquela época, por serem instituições acopladas, pessoas de poder régio tinham temência a Deus, explicando muito do viés cultural.
Voltando ao tema aberto, por mais que existam prenúncios de coisas, situações e pessoas para chegarem na nossa vida, os conselhos de qualquer profissional atuante (seja de vidência ou não) raramente são proibitivos ou determinantes.
A cada dia que passa, estamos avançando para realidades menos duplicadas, do sim e do não. A complexidade da vida e o entendimento integrado que adquirimos ao longo dela nos permite sempre mexer nas predestinações e participar, existencialmente, de cenários menos e menos objetivos e deterministas.
Isso não cancela, propriamente, a ideia de predestinação. Podemos reelaborar a predestinação, como um chamado da pessoa para que ela aja contra, ou a favor, da probabilidade que tem seguido nos seus caminhos e decisões.
Tudo que não pudemos escolher até hoje fez parte do nosso destino, mas tudo o que nos cabe mudar ou aceitar dentro da realidade de vida, alcança nosso poder de decisão.
Por isso se um destino nos acusa viúva, talvez o conselho não seja: “não se case”, mas seja, “aproveite ao máximo o casamento para que você experience o melhor do outro e contribua com ele no seu melhor”. O luto é algo que todos teremos de sentir em algum momento.
A questão não é existir uma previsão, mas o que fazemos ou faremos dela.
As profecias ou tendências que percebemos em alguém não tiram a autonomia de escolha da pessoa de passar ou não por determinadas situações. Afinal, uma lição a mais pode engrandecer alguém de uma forma que desconhecemos.
Por outro lado, uma lição a mais pode adoecer alguém de uma forma que desconhecemos. Por isso sempre devemos nos perguntar diante de profecias ou conselhos que damos ou recebemos: esta pessoa, ou eu, está disposta a passar por essa tarefa ou caminho agora? Ela está pronta?
Por outro lado, se naquela época os reinados levassem profecias a rogo do arbítrio, sem radicalismo, talvez a nossa história não tivesse nos encaminhado para o cenário atual. Uma vez, numa sessão de meditação, escutei que “até o que está errado está certo” e faz bastante sentido.
Veja: se algo não estivesse acontecendo não seria possível. Tudo o que é possível existe e se existe já foi considerado no cardápio de destino.
A profecia entregava uma realidade objetiva que era cumprida a ferro e fogo, literalmente. Curiosa a dinâmica, não acha?

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