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Por que o filme Efeito borboleta, dos diretores Gress e Gruber, fala também de simplicidade?

Foto do escritor: LanternaLanterna

Este filme protagonizado por Ashton Kutcher é de 2004, mas a contribuição é atemporal. Muito burburinho já foi criado pela badalada teoria do caos, bastante explorada pelo audiovisual.


Basicamente, a teoria do caos se resume à tese de que há certa e aparente imprevisibilidade a todas as pequenas ocorrências.


Para estudar melhor a teoria, os cientistas utilizaram gráficos fractais, que são imagens representativas dos padrões repetitivos da natureza.


Aliás, se você pesquisar o que é fractal nesse momento, isso pode ricochetear um efeito borboleta que desconhecemos, como uma conversa com um amigo que vá inspirar nele um projeto criativo, o uso da metodologia numa reunião de trabalho ou uma deixa para que um encontro casual seja repetido após o papo ter ficado interessante.


E por aí vai.


Ou seja, nossas ações, pequenas que sejam, são parte de algo maior que precisa ocorrer em favor de um padrão natural?


Para entendermos melhor a teoria do caos é necessário uma boa dose de drama. Isso mesmo, o exagero ensina.


Por exemplo, se você tem a opção de comer hoje sorvete ou salada e escolhe o sorvete, a gente pode brincar por este caminho.


Se o sorvete te faz passar mal e você deixa de ir na academia para ir ao médico fazer um exame, você pode aproveitar o mal-estar para emendar uma bateria de check-ups.


Um dos exames dá errado e o hospital descobre que a máquina não está adequada, refazendo todas as fotografias dos últimos 6 meses e revisando todos os atendimentos clínicos, inclusive com alteração de diagnósticos.


Isso pode ter ocasionado erros médicos e anamneses tardias. Seis meses para um câncer de pâncreas é algo perto do fatal, imagine neste exemplo o impacto sobre algumas famílias.


Ao tempo que pelo resultado de uma das checagens, você descobre um lipoma nas costas e agenda um novo dermatologista. Apaixona-se alguns dias depois pelo instrumentador que auxilia na operação de remoção cirúrgica.


Mas você poderia ter se apaixonado também pelo entregador do sorvete, alguém diferente de quem entrega as saladas, ou ter mantido a ida à academia e participado de uma dinâmica que te levaria a uma nova parceria de trabalho.


No caminho, poderia encontrar dinheiro ou sofrer um acidente de carro. Talvez não fosse ao médico, nem à academia, e em casa recebesse uma ligação de cobrança indevida pela operadora de celular, que vai te levar à uma ação judicial e, mais tarde, à troca de operadora.


Bom, alguém pode dizer que tudo começou na escolha entre sorvete e salada, mas eu arrisco iniciar com a fome.


Uma fruta alguns minutos antes poderia inibir a história toda e você pode refazer os caminhos partindo disso, ou da escolha da salada no lugar do sorvete, ou da decisão de comer só depois do treino.


A lista é extensa, mas a sensação é quase sempre parecida: nem tudo pode ser controlado por nós, e, às vezes as coisas tomam um rumo inusitado, ainda que a gente não ache estar fazendo muita coisa.


Escolher sorvete ou salada pode não parecer épico, mas pela teoria do caos é o que daria vazão à uma série de alterações significativas do futuro, do micro ao macro.


Toda vez que Evan, o protagonista de efeito borboleta, revisita o passado para alterar algo prejudicial daquele ponto de vista parcial, piora o que antes parecia resolvido na própria vida ou na vida do entorno.


Não porque as vidas se compensam, mas porque elas se justificam. Nossas condutas, interações, omissões, influências reagem o tempo todo com as dos demais. Dividimos os pratos da balança que sustentam caminhos, chances, escolhas e consequências.


O circuito é menos independente do que parece e, por isso, precisamos saber quem somos para escolher a direção e quem anda conosco.


Uma hora, durante o ponto alto do filme, é dito o seguinte:

“Você acha que me conhece? Eu não me conheço!”


Hoje é muito comum de se ouvir sobre autoconhecimento, mas o filme é de 2004 e provavelmente, naquela época, a impressão deixada sobre a maioria de nós foi de lidar com uma baita ficção científica, ou só uma ideia maluca que levou alguém a gravar um longa.


A questão é que entrelaçar passado, presente e futuro, sabendo-se afetado também pelo arbítrio de tudo o que esbarra em nós não pode nos deixar impotentes e fatalistas diante do destino.


Nossa sorte é simplificada pela aceitação do que não nos cabe realizar, então o auto-conhecimento não dá o controle do mundo, mas previne desavisos causados pela falta da verdade de si e, logo, da responsabilidade de ser.


A simplificação também nos leva à tolerância.


A psicanálise é um bom método de facilitação para entender as escolhas do outro porque está despida do ser moralista, no sentido de proteger o ego, ou a individualidade manifestada na diferença.


Nosso ego é a nossa identidade, fortalecê-lo é o que nos permite nos posicionar diante da vida, ter resiliência e maturidade nas atitudes emocionais. Despi-lo de moralismo nos permite aceitar o mesmo para quem convive conosco.


Tudo isso não só simplifica, como transforma. Certo e errado constroem nosso caráter, mas não a realidade universal.


Mais um adendo às questões do filme é tratar da importância da infância saudável no desenvolvimento pessoal adulto.


Os traumas podem definitivamente lapidar nosso ego, afetar a qualidade das nossas escolhas e roubar a felicidade, aquela segurança interna que nos conforta positivamente e que desenvolvemos na primeira relação com os cuidadores.


Isso fica mais claro no filme pela perspectiva de Kayleigh, a amiga de infância de Evan, ao vermos que ela teve caminhos completamente alterados quando o abuso sexual que ela sofre na infância é desviado.


O protagonista também passa pelos próprios desafios e convive com bloqueios graves de memória durante a infância e a adolescência.


Com a memória fragmentada, ele passa a duvidar da sua identidade e a reavaliar a própria história.


Enquanto o cérebro dele entende que algumas memórias são uma ameaça e responde ao estresse com apagões, os demais transferem o perigo, ou uma ameaça geral a ele a ao pai, internado em decorrência da mesma condição.


Podemos pensar na vida como o desdobrar de uma camisa. Mesmo que ela mude de aspecto e se torne maior, ela mantém a natureza de quando foi dobrada.


Se você desdobra uma camisa amassada, vai vesti-la amassada. Ela pode até se ajustar ao corpo, mas as mangas vão continuar enrugadas.


A natureza, ou a qualidade da origem é intrínseca, o que de certa forma tem coerência com a lógica dos fractais.


Pessoas emocionalmente quebradas tomarão escolhas compatíveis. O filme nos deixa uma ideia de que por mais que o futuro mude, ele é coerente com quem o constrói. Por isso saber quem está construindo, quem somos nós, é fundamental.


O curioso é que o filme traz um tom trágico junto da impossibilidade dos personagens principais se unirem amorosamente. Não importa quantas vezes Evan volte ao passado, ele sempre termina sem o par romântico que ele deseja.


Os trajetos são redesenhados inúmeras vezes, mas a separação é inevitável.


Teríamos aqui um convite para discutir predestinação? Afinal, predestinar não é ditar-se pela profecia? Apesar da liberdade de escolhas, você acredita que todas elas levam ao fim que você precisa ter?


Envie suas reflexões. :)




 
 
 

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