A perversão ganha uma função social no longa "Guerra Civil", recém-saído do forno em 2024, estrelado pelo brasileiro Wagner Moura e pela atriz Kirsten Dunst.
No filme, a perversão é retratada como uma força que vai além da dinâmica individual, servindo como um meio de viver bem, ou de tirar o melhor resultado possível da catástrofe, diante de queda de poderes institucionalizados, numa rede em que as convenções sociais não são tão bem definidas.
Na psicanálise, a perversão é uma das estruturas psíquicas, junto da neurose e da psicose.
Ao contrário da neurose, que internaliza repressão e culpa, ou da psicose, que nega a realidade, a perversão é caracterizada pela subversão, quebra ou desafio de paradigmas como fonte de prazer ou defesa.
Este mecanismo dinâmico não é apenas subjetivo, mas atinge patamares estruturais, funcionando como uma estratégia de sobrevivência ou de melhoria de vida dentro de uma coletividade problemática. Sair-se bem em meio ao caos se torna uma possibilidade de ganho de prazer.
No contexto de "Guerra Civil", a perversão adquire uma nova dimensão. A protagonista, interpretada por Dunst, tornou-se conhecida por um movimento ousado anos atrás, desafiando as normas estabelecidas e ganhando notoriedade na profissão de fotojornalista de guerra.
Este ato de subversão não só garantiu sua sobrevivência em um ambiente caótico, mas também serviu como um catalisador para sua ascensão de carreira.
No meio disso, nos deparamos com a jornada da novata. Aspirando seguir os passos da protagonista, uma jovem jornalista de 23 anos embarca numa perigosa viagem em busca de reconhecimento.
Contra a vontade da protagonista, a novata decide ultrapassar os limites da ousadia para conquistar seu espaço.
Em um cenário de guerra civil, onde a ética é fluida e a competição é feroz, sua busca pela notoriedade revela como a perversão pode ser utilizada como uma ferramenta de resistência e posicionamento social, pautadas por violações que se não ocorressem não proporcionariam a mesma satisfação.
Ao extrapolar os meios convencionais e desafiar normas éticas, a novata encarna a dimensão social da perversão.
Seu comportamento arriscado coloca a própria vida e a dos demais em perigo, no entanto, os momentos de fragilidade se tornaram mais e mais desejados em termos de oportunidade para "a melhor foto", "o melhor ângulo", "o melhor resultado".
Isso expõe as contradições e as fragilidades do ambiente em que está inserida, funcionando como uma crítica às estruturas de poder e às normas vigentes ou, mesmo, a um ambiente sem vigência alguma.
O filme ilustra como a perversão pode servir não apenas como um mecanismo de defesa individual, mas também como uma estratégia de sobrevivência e de adaptação social em contextos adversos, porém acostumados com a adversidade.
Você se lembra do que ocorreu com a Princesa Diana? Muitos questionaram a ética na abordagem "comum" dos paparazzi da época, mas algo sem dúvida faz paralelo parecido com Guerra civil: quanto maiores os rompimentos de limite pessoal, maiores as chances de conquistar evidência e reconhecimento.
Podemos considerar que o filme "Guerra Civil" também utiliza a perversão para explorar temas sociais e políticos profundos.
A transgressão das normas e a busca pelo caos não são apenas atos de rebeldia, mas uma forma de resistir e de questionar a opressão institucionalizada, e, a fome das criaturas opressoras que isso gera.
Através dos personagens, o longa-metragem demonstra como a perversão pode ser uma ferramenta poderosa para desafiar o status quo e reivindicá-lo como justo, injusto, volúvel, variável, rígido ou relativizável.
Através dessa abordagem, o filme convida o público a refletir sobre as complexas interações entre poder, ética e sobrevivência em um mundo em constante conflito, usando a crise como um fator externo, mas que por vezes está no mundo interno dos indivíduos maquinados pela perversão.
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