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O prazer diante da mortalidade

Foto do escritor: LanternaLanterna

Adeus professor é um bucólico filme que narra os poucos meses de vida do professor Richard (Johnny Depp) após um diagnóstico grave de câncer.

Até então, o homem casado e infeliz, adepto a uma vida fatalmente insatisfatória, porém certa, é surpreendido por um diagnóstico mortal.

Chacoalhado pela única fatalidade iminente: a perda da ordem pela insurgência prática da mortalidade humana, a estabilidade sobre a qual lançava rédeas já não mais faz sentido.

A morte de repente valoriza a vida como um engenho não autômato. Torna-a tão preciosa, porque é dada por escassa, limitada, como uma certeza fundamental trazida pela ciência da contagem regressiva.

O professor de inglês, então, descobre que aquela ordem familiar e profissional, mantida antes do diagnóstico, era só uma procrastinação de morte (de fins e de desconstituições), ou melhor, uma busca pela continuidade da vida que se firmou pela constância.

A esposa é infiel, o trabalho enfadonho, a relação com a filha é distante, o melhor amigo não o conhece tão bem. É um solitário dentro da rede que ele mesmo trançou. Continuar a vida autômata, pela repetição ou imitação do dia anterior, sem o uso próprio da vontade lúcida, nos parece de certa forma uma maneira de negar a morte e os impulsos que poderiam levar a ela.

Ter essa consciência, que veio de forma violenta no filme, traz uma ruptura não da continuidade da vida, mas da negação da morte e isso implica numa pressão sobre o princípio do prazer.

Principalmente quando temos a sensação de que apesar de o professor até então manter a ordem das coisas, as pessoas ao seu redor estão tomando decisões e praticando desejos fora da lógica de permanência que ele construiu.

Estabilidade e felicidade são assuntos interessantes no estudo do princípio do prazer. Na obra “Além do princípio do prazer”, Freud divaga sobre a tensão entre prazer e desprazer.

A realidade é uma parcela do princípio do desprazer, que contribui com ele num complexo fractal de vetores que confluem.

Como falamos de uma parcela, ela pode, e geralmente contraria, a unidade do eu, e se chocam no processo de decidir por qual subterfúgio, e o que, vamos tolerar na satisfação pelo prazer.

Por isso, o que originalmente é fonte de prazer pode se tornar depois, numa segunda avaliação, fonte de desprazer nos conflito com o eu. É o caso do recalque sexual a que damos vazão, mas depois arrependemos, ou no vício entre bebedeira e ressaca.

O princípio da realidade modifica o princípio do prazer. Por isso, quando verifico a realidade como algo completamente diferente, mudo minha relação com o prazer, sempre no sentido de diminuir o desprazer que minha percepção, ou a ameaça externa, me trazem (seja então um diagnóstico, uma notícia ruim, ou uma emoção adoecida).

Sofrer um baque na vida questiona não só meu princípio da realidade, mas a proporção de prazer e desprazer que tentarei compensar.

Muito do que estava recalcado até esse baque (antigos conflitos) rompe com o princípio do prazer produzindo novos impulsos que obedecem à uma nova premissa, o que pode nos deixar irreconhecíveis!

Não mudamos, trazemos ao consciente aquilo que estava oculto pela garantia de uma ordem estável e pacífica de continuidade da vida, mas que agora não se sustenta pelo confronto de novas fontes que se ejetam rumo à saída que nos apontam.

Para você, desvairar-se é um processo do eu catártico disruptivo, integrativo, ou ambos?


 
 
 

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