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Mal-estar no trabalho

Foto do escritor: LanternaLanterna

100 coisas para fazer antes de virar zumbi é uma produção japonesa lançada recentemente pela Netflix.

Diante de um apocalipse zumbi, um jovem empregado se dá conta de que não precisa mais trabalhar, o que faz com que ele se sinta extremamente feliz em meio a um cenário de caos.

Quando tudo sai do lugar, ele percebe que o trabalho estava no centro de sua vida e que por isso não sobrava tempo para ser o que ele queria ou fazer o que tinha vontade.

Já no início do filme, o personagem principal anota em uma lista cem coisas que gostaria de fazer antes de ser fatalmente pego por um zumbi.

Todas as coisas da lista são secundárias diante de uma relação de trabalho, mas de repente tornam-se os motivos pelos quais ele ainda está vivo.

A função do modo sobrevivência é totalmente invertida quando a subjetividade do indivíduo se ocupa do adiamento da morte, e não mais do prolongamento da vida. Estranho, mas existe diferença.

Com o apocalipse acontecendo, a temática central de quem fica é a morte, e não mais a reprodução da vida, em que atuamos para fazer durar uma condição de equilíbrio: se algumas pessoas morrem hoje, outras nascem para continuar amanhã.

No fim geral, todas morrem ao mesmo tempo sem renascimento geracional.

A generatividade, que é uma das etapas do desenvolvimento psicossocial do ser, ou seja, o momento de formar família, criar laços, produzir e criar, são atributos típicos da continuidade da vida que perdem o significado fora de sua extensão.

Então a felicidade e o prazer surgem como princípios de dignificação da morte. Existe a despreocupação de deixar algo aos outros, de deixar um legado, e isso é sublimado para uma força pessoal transformada em puro foco no desejo do eu e no presente.

Essa ótica é a principal porque é a narrativa do maior personagem, mas existem outras. A moça que surge depois, por exemplo, e salva o personagem principal de zumbis no mercado, parece doar uma visão diferente.

Alguém que trabalhava e estudava por amor ao que fazia, de repente perde tudo com o cenário de ataques zumbi. O modo como ela transforma a rotina, passeia da satisfação para o dever, o contrário da situação anterior.

Ela se vê obrigada a lutar pelo modo de sobrevivência como um trabalho, um dever. Percebe que a maneira como se desenvolvia a relação de trabalho coloca ou tira a sensação de obrigação com a vida?

Para um, o trabalho era morte; mas sem ele temos vida. Para outra, o trabalho era vida; mas sem ele temos morte. Então cada um lida com o fim de acordo com as angústias que esse fato alivia ou cria.

Freud já falava do significado especial da relação de trabalho na vida de cada um. Em “O mal-estar na civilização” (1930) afirma o trabalho como um dos pilares que sustenta a realidade individual e lhe concede um lugar no mundo e na sociedade.

No cenário capitalista, especialmente na comunidade japonesa, onde o filme é proposto, o valor do homem é condicionado à alta produtividade, à performance e à capacidade de trabalho acima do individualismo.

No condicionamento cultural, em que os valores e virtudes estão associados ao lugar social, retirar o trabalho pode retirar o propósito de uma existência “nobre”. Por isso o filme mexe bastante com a ética humana do utilitarismo.

Promover o trabalho é promover o bem-estar social em detrimento do indivíduo numa moral utilitária, mas o filme explora justamente o contrário: a possível felicidade na prática da individualidade desapegada e sem o dever de legado.

E então? Como seria sua lista de desejos?






 
 
 

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