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Lendas populares

Foto do escritor: LanternaLanterna

O que é uma lenda para você?


Uma história com um ensinamento?

Uma superstição do povo?

Um credo que já caiu no domínio público?

A forte reputação de alguém?

Um boato que sobrevive aos anos?


O primeiro gato de botas estreou pela Dreamworks no ano de 2011 e ele traz consigo todos os tipos de lenda que a gente cita acima.


Para começar, o próprio Gato de botas, esse romântico de ego inflado com um bom coração, pouco medo e vida malfeitora, nos remete ao imaginário popular de Dom Quixote, uma lenda clássica da literatura.


Também passando-se na Espanha, Dom Quixote armou-se cavaleiro autoproclamado pela ocasião e ousadia.


Pedia que o chamassem de “Dom” e “feitas pois a galope as até ali nunca vistas cerimônias, já tardava a Dom Quixote a hora de se ver encavalgado e sair, farejando aventuras.” (1978)


Desbravadores ou inconsequentes, na inerente ambivalência do risco à frente, tanto Dom Quixote quanto o Gato de botas esbarram no mesmo símbolo do pioneirismo visual: os pés.


Um cavaleiro maltrapilho, por vezes descalço, é uma contraposição de Dom Quixote diante da realidade esperada para um cavaleiro real. O mesmo ocorre com o gato: suntuosamente vestido como um fidalgo, é um felino de botas impecáveis.


Homem sem indumentária e gato com indumentária. Ambos cavaleiros.


O poder da imagem dos dois diz a quem os vê de que são excêntricos e de que fogem às expectativas de um encontro conforme ao costume.


Aliás, as lendas populares crescem pela fuga do cotidiano. A história do Gato de botas já começa com a fama do gatuno e com os rumores que corriam a cidade de San Ricardo. Alguns pensavam ser ele o “chupacabra” por exemplo, outro folclore na boca do povo.


Também rezam lendas os credos dados por verdade, pela autoridade da lei, da religiosidade ou do hábito cultural. Em algum momento do filme, perguntam ao gato se a espécie dele cai mesmo sempre em pé. Ele responde que são “apenas fofocas espalhadas pelos cães”.


Então a lenda popular ora reforça qualidades e medos inexplicáveis, criando um rito iniciático de temor à lenda, ora desacredita das mesmas qualidades e medos inexplicáveis. Ambos os aspectos protegem o objeto lendário.


Vamos tomar de exemplo o gato nas alturas. Se o gato de botas quisesse sobressair-se aos demais e mostrar-se com poderes especiais poderia se aproveitar da lenda de parar em pé caindo a metros de altura.


Ou, como fez, defender-se, negando a lenda e dizendo que não devem acreditar naquilo que ouvem, para se proteger do uso negativo da crença.


Algumas superstições também são lendárias, como a da criança que mexe em fogo e depois faz xixi na cama. Isso evita com que os pequenos achem natural brincar com fogueiras e perigos.


É a germinação de um comportamento que se desenvolve.

Na trama, a mais explícita das lendas constituiu uma fábula, “João e o pé de feijão”, com toda a conotação da felicidade sobre as nuvens e da garantia do fim do sofrimento pela riqueza eterna: um pato bota ovos de ouro para sempre.


A salvação que literalmente cai do céu, liberta as pessoas e reconquista a esperança de muitos.


Finalmente, mas dificilmente por último, temos a contribuição de um dilema ético no cardápio de lendas do Gato de Botas.


Alguém pode se redimir mudando de ideia? A boa-fé da mudança envolve sacrifícios e escolhas?


Tornam-se lendas as histórias de redenção pessoal, o que nos lembra aquele antigo impasse ético da criança na gaiola em troca da libertação de um povo.


Imagine que o preço para que uma cidade inteira fosse feliz, abundante e próspera fosse trancar uma criança na gaiola no subterrâneo desta cidade.


Essa criança estaria condenada a ser miserável, mas a cidade inteira seria recompensada com bem-estar. Este dilema traz um conflito inerente ao inconsciente coletivo de que sacrifícios necessariamente trazem recompensas.


Resolver um dilema pode tornar algo ou alguém uma lenda. É o que ocorre com o ovo, o amigo de infância do Gato de botas, quem dá a vida em sacrifício pela cidade de San Ricardo.


O preço de uma cidade pacificada foi uma vida. Claro que dilemas são sempre muito mais complexos do que o início. Nos exemplos que eu dei, por exemplo, a criança não tomou a decisão de entrar na gaiola, nem foi ela quem deu causa ao sofrimento do povo que ia libertar.


Provavelmente nossas respostas dependem desses e de outros fatores dinâmicos. E tudo sempre pode dificultar em se tratando de dilemas éticos e da reprodução de lendas populares.


Mas voltando ao início, você se lembra de assistir ao Gato de Botas naquela época? Veria com os mesmos olhos nos dias de hoje?



 
 
 

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