Lisa é uma charmosa interna de um hospital psiquiátrico, há muitos anos diagnosticada com Borderline.
Integrada à rotina hospitalar, é também intempestiva, impulsiva e irreverente, atraindo a atenção da nova interna Susanna, que ao contrário da outra, é introspectiva, sonhadora e melancólica.
Susanna parece estar em infindável angústia interna, recorrendo aos seus escritos e aos momentos solitários para despressurizar o peso das sensações que a levaram até ali.
Susanna, sempre muito na sua, tinha uma aparência frágil, de quem estava sempre lutando para se manter de pé.
Falando sobre o aspecto de somatização, lembro de ler um excerto no livro de Margaret Little "Ansiedades psicóticas e prevenção", a respeito de seu tempo de análise com Winnicott, psicanalista inglês:
"Para Winnicott, a psique e o soma eram inseparáveis, corpo e alma que no fundo são aspectos interdependentes da mesma realidade. Certa vez, quando tive uma bronquite branda, ele perguntou se não seria bom procurar o meu clínico, mas eu lhe disse: Não estou doente. Estou infeliz, e isso foi o suficiente".
Achei interessante essa passagem, porque o aspecto mais enfático da personagem Susanna, interpretado por Winona Ryder, é de fato mostrar-se infeliz, mortificada, à espera do tempo passar.
Com isso, surge a oportunidade de trazermos um tema que foi conceito introduzido justamente por Winnicott: verdadeiro e falso self.
O falso self seria uma máscara da psique, uma postura psicológica com a função de defesa contra a vulnerabilidade do self.
O self, portanto, só se apresenta verdadeiramente em um local seguro.
Nessa ideia, de que o falso self é personagem que criamos para sobreviver às histórias das quais participamos, temos a propensão de admirar quem supostamente aparenta o verdadeiro self em situações inseguras.
Os aclamados "autênticos", portanto, são inspirações e lideranças talvez por não transmitirem vestir uma sobrecapa, mas de estarem crus diante de todos.
No entanto, nossa admiração por vezes inconsciente, aliás, na maioria das vezes ela é, pode ignorar o fato de que a autenticidade, ou seja, tudo aquilo que é corajoso para quem avalia como sendo autêntico, pode ser um falso self em si.
Nesse sentido, Suzanna vê qualidades em Lisa que ela gostaria de desenvolver nela mesma. Por contrariar tudo o que ela é, e ela parece se desaprovar, Suzanna enxerga em Lisa o verdadeiro self.
No entanto, Lisa, longa moradora da instituição psiquiátrica, não vê a clínica com os mesmos olhos. Ao que parece inseguro para a breve visitante Suzanna, é toda a realidade de meio que Lisa conhece, para ela ele é muito mais confortável.
Seguindo essa teoria, Lisa é o verdadeiro self projetado de Suzanna, porque no fundo carregamos essa impressão invisível de que ser autêntico é se amar.
No entanto percebemos que Lisa, apesar de super confiante está também em intenso sofrimento. Daí podemos abrir duas vias legais de serem exploradas:
Mesmo no verdadeiro self, o indivíduo está sujeito a lidar com emoções negativas, frustrações e limites;
Supondo ser que a confiança excessiva é um mecanismo de sobrevivência, talvez possamos supor que Lisa também estaria no falso self.
Então percebe-se uma atração mútua, em que uma vê características desejáveis na outra.
Como a própria Margaret Little, psicanalista também com borderline, cita em seu livro:
"A luz não tem sentido sem a escuridão, como a criatividade não tem sentido sem a destruição".
Podemos destruir o falso self através das relações que nos inspiram a recuperar a essência?
Ou, pelo menos, podemos desafogar um pouco o verdadeiro self pela simples percepção que tomamos dele?
O que você acha disso?
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