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Dissociação

Foto do escritor: LanternaLanterna

Hoje trouxemos o filme "Noite passada em Soho", um suspense maravilhoso de 2021 dirigido por Edgar Wright.


Confesso que a princípio eu pensei que Eloise, a mocinha à esquerda na foto, que interpreta uma jovem do interior da Inglaterra prestes a se mudar para Londres, voltava para uma vida passada em que havia sido a jovem talentosa Sandie, a mocinha à direita, durante a década de 60.


No entanto, conforme os espíritos ou sombras de vários homens fossem perseguindo Eloise, provocando nela instintos de defesa para com Sandie, dá a entender que há algum nível de conexão entre elas, mas externo, me levando a pensar que Sandie já morreu, assassinada por um desses homens e que, na verdade, seria uma antepassada de Eloise, como uma avó, a mãe, ou uma tia falecida.


Fazendo um paralelo com a psicanálise, podemos pensar em algo próximo do conceito de dissociação, quando há dúvida se tratamos ou não da mesma pessoa.


O filme oferece uma rica exploração das dinâmicas psicológicas. Um dos temas centrais da narrativa é a confusão de identidade vivida por Eloise, que, ao entrar em contato com a vida de Sandie através de seus sonhos, começa a experimentar uma fragmentação de sua própria identidade.


Esse fenômeno pode ser associado aos distúrbios dissociativos, em que o sujeito perde a noção clara de quem é, assumindo traços de outra pessoa ou realidade. Na psicanálise, tal fragmentação pode ser compreendida à luz do desenvolvimento do "eu" e das pressões do superego, instância psíquica que, segundo Freud, representa as exigências morais e sociais internalizadas.


A identidade de Eloise, pressionada por essas forças inconscientes, se torna fluida, levando-a a uma confusão entre seu próprio ser e a figura de Sandie.


Outro aspecto fundamental é a representação do trauma e suas manifestações psicológicas. No filme, o passado sombrio do Soho dos anos 60 é revelado por meio da violência e exploração enfrentadas por Sandie, cujos traumas acabam permeando a mente de Eloise.


A reencenação desse trauma através das experiências de Eloise remete à teoria freudiana da "compulsão à repetição", onde o indivíduo revivencia, inconscientemente, eventos traumáticos que não foram completamente elaborados.


O trauma, então, não apenas molda a vida de Sandie, mas também afeta profundamente Eloise, influenciando suas percepções e comportamentos. A narrativa, nesse sentido, explora como eventos traumáticos podem ser transmitidos entre gerações ou entre pessoas, tornando-se uma sombra constante na vida da protagonista.


A relação de Eloise com Sandie também pode ser analisada sob a lente da transferência, um conceito central na psicanálise. Eloise desenvolve uma profunda identificação com Sandie, de tal modo que as fronteiras entre suas vidas começam a se esvanecer.


Esse processo de transferência pode ser interpretado como a projeção, por parte de Eloise, de seus próprios desejos, ansiedades e questões não resolvidas na figura de Sandie. Essa dinâmica de transferência é comum em relações de poder ou em situações de trauma, onde a identificação com a outra pessoa reflete uma busca por solução ou compreensão de seus próprios dilemas emocionais.


Por fim, a ideia do doppelgänger - o duplo - é outra dimensão psicanalítica que pode ser explorada na narrativa. A relação entre Eloise e Sandie é uma representação dos aspectos reprimidos do inconsciente.


Na psicanálise, isso pode ser associado tanto ao "eu ideal" quanto ao "eu sombrio", refletindo os conflitos internos que o sujeito tenta suprimir. A figura de Sandie, nesse contexto, pode ser vista como um reflexo dos desejos, medos e impulsos de Eloise, tornando-se uma manifestação de suas lutas psíquicas.


Esses temas psicanalíticos presentes em Noite Passada em Soho revelam uma complexa trama de identidade, trauma e projeção, oferecendo uma rica base para a análise dos processos inconscientes que moldam as ações e percepções das personagens.


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