Egos são caricaturas? Avatares de personalidades?
Em “O conde”, uma produção cinematográfica do diretor Pablo Larraín, a evolução biográfica do ditador chileno Augusto Pinochet é descrita por um olhar tenebroso.
Fugitivo da França após roubar a cabeça de Maria Antonieta e matar pessoas para beber o sangue, Pinochet se junta ao exército chileno e se estabelece para sempre na América Latina.
O olhar obscuro que a narrativa constrói de um vampiro que sobrevive às custas do sangue e da vida de muitos, divide-se em dois ângulos: um que choca e incomoda o espectador, sendo essa a visão popular sobre quem foi a figura, e um outro que toma os mesmos atos e história como elogios.
Pinochet é um avatar autoconcebido que se fortalece pela imposição de suas características mais exageradas.
Entrando na via psicanalítica, dividimos o ego em camadas de inconsciente e consciente. Na verdade, o ego é ambíguo.
O núcleo do ego seria a pré-consciência, ou seja, parte do inconsciente em que se dão ligações verbais e óticas que “materializam” seu fundo.
A pré-consciência é o pré-histórico de noções bem elaboradas do ego.
Por isso, um ego dominante e dominador é enfraquecido pela força dos processos internos ainda imaturos na consciência.
O pré-consciente é a superfície do ID, o reprimido em nós, o que facilita o entendimento de que há confluência e não total separação entre ID, ego e superego. Freud fala sobre isso em “O ego e o Id e outros trabalhos”.
São tecidos interconectados e, portanto, não se “engolem” totalmente. Por isso, por exemplo, o EU ideal, ou ego fantasia, não é equivalente ao eu real, ou ego objetivo, porque no eu ideal há uma composição sobre tela do superego sobre o ego.
Então ao contrário do que se pensava no início da psicanálise, o ID não abrange todo o individualizado reprimido, mas parcela do ego também.
O ego, então, emaranhado pelo reprimido inconsciente e pelo ideal de consciência, é o resultado da influência do mundo externo sobre o ID.
É como se misturássemos uma tinta (mundo externo/superego) com outra (ID) e disso resultasse combinação única de um terceiro produto: o EGO. Esse resultado é o visível que será utilizado na apresentação artística. É o que se manifesta no mundo na forma de resultado prático: um avatar talvez?
Enquanto no ID prevalece o princípio do prazer, no ego tentamos fazer prevalecer o princípio da realidade.
Quanto mais distorço o ego, deixando o ID dominar, mais caricato ficará esse aspecto da mente.
A caricatura funciona como um rompimento extremo das nuances, nela não há combinações ou produto final, pois o produto é o próprio insumo isolado.
Na face sombrosa do ego deturpado, não há tempero aos instintos internos mais egocentrados e abissais.
A caricatura então pode ser sátira, como pode ser ode. Ser vampiresco e poderoso é uma sátira de uma personalidade que destruiu a memória histórica de um país.
As mesmas características constituem ode pela família e pelos protegidos num contexto de favoritismo, tradição e proteção.
Nesse filme, vemos como a disruptura da consciência de um indivíduo apático às condições do mundo externo e às necessidades da realidade, intensificam o ego como produto inconsciente.
Torna-se uma personalidade satirizada pelos próprios vícios, Pinochet é um representante gráfico do mal.
O mesmo pode-se dizer de Tatcher, mãe de Pinochet, ou melhor, a mãe do mal.
A interferência sobre a consciência moral do indivíduo é papel do superego, que em interação com o ego serve de filtro para nossa adaptabilidade social.
No caso de Augusto Pinochet, desprovido de consciência moral, foram retirados todos os elementos de superego no filme: é homem desgarrado, órfão, sem religião, sem estudo ou amor ao país de origem ou convenção. Todos os laços de pertencimento cultural ou institucional foram apagados com sua fuga.
Uma nova vida nascia desprendida do superego, desprendida do ego consciente.
O que sobra é o ego cravejado de inconsciente oprimido: puro desejo, puro princípio do prazer, pura defesa contra o desprazer, e profundo instinto de morte que não se abre à vida, mas a adia justamente para preservar sua potência.
Pinochet é trazido como avatar sustentado pelo contraste entre treva e luz.
Assim, preto e branco.

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